Na aula de hoje, a propósito da leitura, recordámos o jornalista e escritor Manuel António Pina que celebraria 71 anos amanhã se fosse vivo.
Aqui fica o texto.
Uma vida de
aventuras
O meu nome é Manuel António Pina. Nasci numa terra com um
grande castelo, nas margens de um rio onde, no Verão, passeávamos de barco e
nadávamos nus. Chama-se Sabugal e fica na Beira Alta, perto da fronteira com
Espanha. Quando era pequeno, olhava para o mapa e pensava que, por um
centímetro, tinha nascido em Espanha.
Mais tarde descobri que as fronteiras são linhas inventadas
que só existem nos mapas. E que o Mundo é só um e não tem linhas a separar uns
países dos outros a não ser dentro da cabeça das pessoas.
A verdade é que, por causa da profissão de meu pai, vivi
(depois de ter nascido, antes não me lembro…) em muitas diferentes terras e,
por isso, não tenho só uma terra, tenho muitas. Uma delas é o Porto, onde vivi
mais tempo do que em qualquer outra, onde nasceram as minhas filhas e onde
provavelmente morrerei um dia.
Como fui durante muitos anos jornalista, mais de trinta,
viajei um pouco por todo o Mundo, da América ao Japão, da China ao Brasil, da
África ao Alaska. E como sou escritor tenho viajado também por dentro de mim
mesmo. E por dentro das palavras. Assim, apesar de ter nascido numa terra com
um grande castelo, nas margens de um pequeno rio, não pertenço a lugar nenhum,
ou pertenço a muitos lugares ao mesmo tempo. Alguns desses lugares só existem
na minha imaginação. Porque a imaginação, descobri-o também, é o modo mais
fantástico que há de viajar.
De facto, os lugares mais distantes e mais belos onde eu
alguma vez estive não vêm nos mapas. Quando tinha a tua idade, viajei pelo
fundo dos mares, e desci ao centro da Terra, e fui à Lua, e aos pólos, e ao
passado, e ao futuro, dentro dos livros de Júlio Verne, de Jack London, de
Emílio Salgari. À noite, quando todos se iam deitar e a casa silenciosamente
adormecia, partia eu para as mais emocionantes aventuras, às vezes só
regressando já de madrugada. Combati nos mares do Sul contra piratas e
flibusteiros ao lado de Sandokan; persegui Moby Dick, a baleia branca, no
tempestuoso barco do Capitão Acab; desci o Mississipi na jangada de Huckleberry
Finn; cacei búfalos nas imensas pradarias do Oeste; e, com Tintin fui preso e
condenado à morte em Chicago, na China, nos Andes, e salvei-me sempre no último
momento, e com ele e com o Capitão Haddock, e com a cadela Milou, perdi-me nas neves
do Tibet e nos desertos da Arábia, e fui à Lua e voltei…
Como vês, tenho tido uma vida emocionante e aventurosa.
Hoje lembro-me das grandes viagens e das aventuras que todas as noites
começavam no meu quarto e tenho medo de não ser já capaz de vencer tantos
perigos e tantas emoções. De qualquer maneira, continuo a ter livros na mesa de
cabeceira, e quando saio de casa gosto sempre de levar um comigo. Porque me
pode apetecer voltar a partir…
Fonte: http://www.nonio.uminho.pt/netescrita/autores/mpina.html
Consultado a 17 de novembro de 2014
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